Quem sou eu

Quem sou eu? Historiador, viajador, fotografador. ViajantePassageiro. Mas o que eu gosto mesmo é de viajar na janelinha... ViajantePassageiro, eis o que todo ser humano é. Ser ViajantePassageiro neste planeta é privilégio de ser humano. Aproveite. Repartir a sabedoria adquirida na caminhada é puro deleite... Abaixo você acompanha relatos feitos durante viagens a um seleto grupo de amigos ao qual você agora faz parte... O viajante está sempre de passagem. O ser humano está sempre de passagem. Vive o minuto o momento o instante porque único. Às vezes esquece que o agora não é sempre, e chora, faz bico, bate o pé, diz que não vai embora. Mas é viajante e por isso passageiro. Lembra que o eterno é pra daqui a pouco e o agora eterno. Sorri e prossegue. Pode entrar que a casa é sua...

segunda-feira, 12 de maio de 2014

SonhonÍndia6 (2013/2014) - Goa e Kerala






BOLETIM 0 - 6/12/2013 - SP

QUERIDOS PUSTAS AMIGOS!

Amanhã, às 20h, parto para mais uma jornada na minha queridíssima mama ÍNDIA.
Será um mês de pura descoberta e autodescoberta.

Minha intenção é mantê-los conectados dos acontecimentos e emoções que estarei vivendo no extremo sul indiano, particularmente no estado do Kerala, meu maior objetivo de exploração.

Escrevam e respondam emails, pois receber notícias e impressões é sempre muito delicioso quando se está longe.

Assim, desejo a todos uma ótima aventura.

Beijo no coração

SORTE!!!


AMiLTON 



Boletim 1 - Goa - 12/12/2013


Queridos Pustas Amigos!

Cá estamos direto da Terra mais antiga entre todas as terras, a mama Índia.
Cheguei em Délhi no dia 9/12/2013, depois de 20h de voo, minha velha conhecida, cidade que me acolheu em 5 das 6 chegadas que faço a Índia.
Legal chegar a uma cidade e se sentir sua íntima.
Aliás, legal mesmo é chegar a um país e sentir-se em colo de mãe.
Uau, como me sinto filho dessa terra, como me sinto acolhido.
Descer do avião, em meio ao fog característico desta época do ano e sentir seu cheiro, vindo das especiarias e temperos, e se arrepiar, é algo que mostra uma relação de alma, de intimidade, com esta mãe tão acolhedora e severa, às vezes até cruel, com seus filhos.

Logo que chego me instalo no Relax Hotel, em Pahar Ganj, bairro que é destino de 90% dos mochileiros que chegam vindos de todas as partes do mundo.
Chego pela 4ª vez, neste mesmo hotel, cumprimentando `velhos` amigos e às duas da manhã, desta vez, não sou instalando em ‘meu quarto’, o 304, mas em um com vista para a rua lateral.

Durmo rapidamente e, de madrugada, acordo ao som de tosses cavernosas e úmidas de alguns habitantes noturnos que dormem pelas ruas.
Pouco depois ouço o chamado de uma distante mesquita muçulmana lembrando seus filhos de jamais se esquecerem que há algo Maior além desta dimensão.
Quase raiando o dia, ouço as notas dissonantes de uma flauta tocando uma típica melodia oriental.
Suspiro profundamente e agradeço emocionado o sempre generoso Universo por permitir que esteja mais uma vez aconchegado no colo desta minha querida mãe distante.

Depois de tentar repor os 8 fusos que tanto deixam confuso, me levanto por volta das 10h30 e vou comprar minha passagem de trem rumo à primeira parada desta viagem: a paradisíaca e histórica Goa.

No dia seguinte, embarco às 15h no Goa Express, na sempre deliciosa segunda classe dormitório, e logo chegam Aleksi e Patricjia, meus novos amigos da Finlândia e da Polônia.





Juntam-se a nós também três simpáticos, falantes e hilariantes indianos com quem dividimos as primeiras 25 horas desta viagem de jornada de 40 horas. 




Não demora para todos nos tornarmos instantaneamente uma família e, logo, um dos indianos pega, para ir ao banheiro, emprestadas as sandálias do finlandês que, atônito, mas gostando da brincadeira, sorri para mim com ar de marinheiro de primeira viagem.
Logo na primeira hora de viagem, sou convidado a jogar uma partida de Ludo. Isso mesmo, aquele jogo de tabuleiro colorido que embalou a infância de minha geração.




Foram 4 horas de pura diversão, risadas em tom maior e muita, muita sacanagem, pois um dos objetivos do jogo, talvez mais importante até que ganhar, é ferrar os oponentes.

Na madrugada da primeira noite vejo, do alto da minha cama, a chegada de Ian, o coroa escocês simpático com ar de solitário que se tornaria o terceiro membro de minha nova família.
Ian sobe no trem, de madrugada, vindo de Bophal, onde trabalha por algumas semanas como voluntario na ajuda às vitimas do terrível desastre químico/ecológico da Union Carbide, ocorrido há mais de duas décadas.
Segundo seus relatos, ainda continuam nascendo na região pessoas com má formação congênita e as indenizações às famílias dos mortos nunca chegou.

Pela manhã, após uma despedida emocionada, nossos três irmãos indianos descem do trem e são substituídos, algumas estações à frente, por uma não menos simpática família formada por pai, mãe e filho.






Com eles seguimos viagem, entremeada por instrutiva conversa sobre o universo da ayurvédica, até quando entrada a noite e Aleksi, Ian, o jovem indiano e eu fazemos acalorada disputa internacional de pôquer. 

No decorrer do jogo naturalmente se formaram duas equipes dentro da disputa, a equipe europeia e a equipe dos representantes do Brics. Para alegria do mundo economicamente menos favorecido, os representantes do Brics ganharam de lavada.





Ao fim do jogo me preparo para a segunda noite de sono


No meio da noite, acordo de um sonho em que uma ex-aluna me conta emocionada que havia se formado professora e que, agora, dava aulas para crianças pequenas .
Emotiva, diz não acreditar como o tempo passa e que este, tão cruel na visão de alguns, lhe dava a generosa oportunidade de retribuir seus esforços em prol das novas gerações.
Este sonho vem em consonância com a leitura de uma revista cientifica que compro no aeroporto de Guarulhos e que trata da ideia, segundo a física, da não existência do tempo.
Diante do sonho e das afirmações dos físicos, percebo que apenas a interrelação entre as pessoas é capaz de dar sentido a existência humana, assim como a luz só pode ser vista quando toca um objeto.
Sim, nada seria do Ser humano se não fosse o Outro.

UAU! Privilégio ter este tipo de insight dentro de um trem (indiano), este que tão bem retrata a metáfora que é a Vida, com suas paradas, seus encontros e despedidas, em seu eterno seguir.

Às seis horas da manhã, depois de 40 horas de viagem, acordo e rapidamente pego minhas coisas para, junto da porção europeia da família, desembarcar na estação de Margan, no estado de Goa. (Aliás, só ontem à noite descubro que Goa não é uma cidade, e sim um estado!).
Na plataforma, nos despedimos de Ian, o falante e interessante escocês, que segue para reencontrar outra sua família indiana, enquanto Aleksi, Patricjia e eu seguimos de ônibus para a estação de trem onde nossos destinos se separarão.
Na estação, pegamos um ônibus completamente lotado rumo a Palolan Beach, uma paradisíaca praia sugerida por Aleksi. 
Porém, depois de andar uns 50 metros, o ônibus para e um diálogo esquisito começa entre os passageiros, que se mostram irrequietos. Então, para surpresa geral, o motorista se levanta, se deita em um dos banco e começa a dormir.
O que acontece?
As pessoas falam que o motorista tem algum problema e o ônibus é, então, evacuado.
Cena absolutamente surreal só possível na Índia. 
O motorista para o ônibus, deita e dorme sem falar uma única palavra aos passageiros.

HAHAHAHAHA!!!
Índia das cenas surreais.

Descemos os três. Aleksis e eu entramos em novo ônibus enquanto observamos estarrecidos Patricjia correndo atrás de outro ônibus que partia inesperadamente com sua mochila dentro, o que não permitiu uma despedida formal de nossa amiga.
Logo com os primeiros raios da manhã observo deslumbrado a paisagem urbana desta cidade de Goa e suas construções e arquitetura em estilo colonial português tão familiares a um brasileiro.
Casas com grandes janelas arredondadas, balcões, varandas em estilo tão mineires e igrejas em estilo colonial me deixam afoito com sentimento de volta a um passado tão presente em minha vida.
Outra emoção que sacode o coração é a sensação de ler nomes portugueses batizando diversos pontos comerciais, como Restaurante Costa e Pereira Tur.
Inacreditável!







Depois de meia hora de espera, o ônibus parte rumo ao litoral em uma jornada de uma hora por uma estrada entremeada por coqueirais e refrescante mata com cara de “atlântica”. 
Me sinto como indo de uma praia a outra em Ubatuba.
Que Índia é essa!






Logo após jornada em ônibus lotado, chego a uma paradisíaca praia, Palolan Beach, com sua enseada calma, que lembra as praias de Parati, e seu muro de coqueiros moldurando a paisagem, porém com suas presentes vacas ao longo da orla.
ENFIM, A CHEGADA AO PARAÍSO!























Depois de 40 horas desde Délhi, dois dias e duas noites dentro de um trem, Aleksi e eu colocamos os pés em fina areia branca e nos abraçamos como crianças que chegam ao mar depois do fim do ano letivo.





Comemoramos a odisseia com densa e gelada cerveja, tomamos um maravilhoso café da manha à beira mar e nos despedimos prometendo nos ver no dia seguinte, pois Aleksi é resgatado por um amigo com cara de viking que vive na praia ao lado desde que veio a Índia para servir de voluntário em uma escola fundamental.



Sigo as orientações do viking e rumo pelas areias até o fim da praia, onde me instalo por pouco mais de 11 dólares em um maravilhoso bangalô rústico/bacana bem preparado para receber mochileiros europeus.






SIM, NO PARAÍSO DENTRO DO PARAÍSO!
Certamente sou um queridinho do Universo...

Agora vou comer um peixe assado em plena praia.
Depois dormir ao som do mar.





E a jornada segue...

OBRIGADO POR COMPARTILHAR TANTA EMOÇÃO!

CHUKRIA! (Obrigado, em urdu)


SORTE!!!


AMiLTON SANANDhA



Boletim 2 - Kerala - 17/12/2013


Queridos Pustas Amigos!

E o trem já seguiu, e em velocidade estonteante.

Em nosso último encontro, nós acabáramos de chegar a Goa, terra em que Vasco da Gama aporta em 1498 e estabelece ali a primeira feitoria portuguesa em terras indianas, e não é por outro motivo que ali existe uma cidade com seu nome.




Depois de me instalar em um deslumbrante bangalô pé na areia, em Palolam Beach, acordo com os raios de sol entrando pelas frestas de meu rústico home sweet home e logo vou em busca de um merecido banho de mar.
Saio caminhando pela praia e, chegando no cantão oposto, passo por uma matinha e descubro a praia vizinha, bem menos lotada e muito mais com a minha cara.
Começo a cruzar a nova praia e não avisto Aleksi, meu amigo finlandês, e chego ao novo cantão onde descubro, com cara de guerreiro vitorioso, um delicioso rio com água friinha e mata nativa com cara de litoral paulista. 
Na margem oposta, um pequeno pier denuncia uma vila de pescadores.





É ali mesmo que fico atirado, entre a areia e a água do rio, por horas curtindo mais um dia no paraíso, a poucos metros de um insistente pescador que não cansa de arremessar sua linha e vê-la retornar vazia.

QUE DELÍCIA! 
Deitado dentro da água por horas em um lugar que poderia ser um dos tantos cantos da saudosa Peruíbe da minha infância.





Até que, então, vejo se aproximar pela areia um segundo pescador puxando seu barco pela corda.
Olha pra mim e sorri, como é costume por estes lados, e pergunta se quero passear de barco rio adentro. 
De imediato digo que não, tática para não mostrar interesse.
Ele, então, joga sua linha e tenta a sorte ao lado do amigo.
Pouco depois, os dois pescadores esquecem seus anzóis e começam a colocar uma extensa rede de uns 40 metros dentro do barco.








Ele novamente olha para mim e pergunta se quero ir com ele mar adentro jogar a rede.
Aí fica difícil esconder meu desejo e logo chegamos a bom preço e fechamos negócio.





Tudo preparado. Entro no barco para, primeiramente, dar um curto passeio rio adentro até a casa de dois caiçaras, onde paramos para ali descobrir que o motor do barco está com algum problema, afinal os três conversam com cara séria olhando e mexendo no motor.













Passada a consultoria e, sem terem feito nenhum ajuste, meu condutor diz que estamos prontos para seguir para o mar. 
Pergunto se o motor pode nos deixar na mão e, é claro, ele responde que não.
Como bom aventureiro, entrego para o Universo e entro na aventura.










Rumamos rio afora até encontrar o mar e, neste momento, descubro uma das joias do litoral do Mar da Arábia: o sol se pondo no mar.




UAU! Que pôr do sol, com o astro rei em dia de glória tingindo de vermelho o céu e o mar.

Passamos a fraca rebentação e começamos a navegar paralelo a areia.
Meu Deus! Como eu gosto de andar de barco!
Coisa de criança que parece nunca se extinguir da alma.

Depois de uns 20 minutos chegamos ao local da pescaria e aí se fez uma grande alegria para mim e uma grande preocupação para ele: avistamos um numeroso cardume de golfinhos.






BRIGADÚ PAPAI DO CÉU!!!






Logo, ele começa a soltar a rede e, de pronto, e com ar de experiente, me ofereço para ajudar, ao que ele prontamente aceita. Já havia feito isso na Ilha do Cardoso.
Corremos, soltando a longa rede, com o barco no sentido contrário ao que viemos e, para meu espanto, depois de 15 minutos de termos lançado a rede ao mar, logo começamos a  recolhê-la. Achei que, como em Cardoso, a rede dormiria dentro do mar durante a noite.
Com certa decepção, ele constata que só fora presenteado pelo mar com um cardume de sardinhas, mas com sabia aceitação diz que, com golfinhos por perto, “peixe grande na rede pode significar problema grande”, afinal golfinhos adoram furar redes atrás de uma boa refeição.

Logo anoitece e começamos a rumar para praia.
Claro que o motor dá uma falhadinha básica, só pra dar aquela adrenalina que os aventureiros são viciados, mas logo engrena.




Antes de chegar à praia, ele me conta que o dia seguinte não será dia de pescaria, pois acontecerá o funeral de um velho da comunidade de pescadores.
Pergunto se haverá cremação, ao que ele responde afirmativamente. 
Peço permissão para estar presente e ele, encabuladamente, encontra uma escorregadia negativa para preservar a intimidade da comunidade de caiçaras.
Chego à praia e, como me despedindo de um velho amigo, pago pela experiência e satisfeito pego a trilha do costão de volta para Palolam, na praia vizinha.






No meio do caminho, encontro um delicioso restaurante com vista para Palolam sobre as rochas e, logo na entrada, escolho um Fischer King exposto entre o gelo, peixe famoso na região, e peço para prepará-lo à moda Tandori, assado e condimentado ao estilo do sul da Índia.
Então, ao som do mar e namorando a iluminada Palolam, janto celebrando as imagens e lembranças de um dia tão especial.






Dia seguinte acordo para um dia de preguiça, pois meu trem parte rumo ao Kerala somente às 23 horas e, assim, passo o dia perambulando sem destino entre escaladas pelas pedras do costão rochoso e mornos banhos de mar até o dia minguar para, novamente, ser presenteado por novo e estonteante pôr de sol no mar.





De noite, depois de jantar novo peixe assado, presencio uma vibrante queima de fogos em uma noite de sábado de praia lotada de gente bonita de toda parte do planeta.







Confesso que pego o rumo da estrada com certo sentimento de alívio, afinal Goa se parece muito mais com as agitadas praias de Bali, Tailândia e Ibisa, com suas festas e raves, e em nada com a Índia que busco.
Bom é curtir o momento como ele se apresenta, como um grande presente, seja ele como for, com a forma que tiver, e não esquecer que Goa foi quase um ponto de parada técnica para refazer as energias depois das 40 horas de viagem desde Délhi.





Feliz da vida, por ter conhecido um estado tão belo e com tanta ligação histórica com minha alma, parto em um rickchai para a estação de trem para mais 16 horas de trem rumo ao Kerala, o real objetivo deste SonhonÍndia.





Depois de 10 minutos de corrida, o rickshai para numa rua escura em frente a uma escadaria, em um lugar pra lá de ermo e sinistro. O motorista desliga a motinho e, para meu espanto, diz que chegamos.
Espantado, pergunto: `Chegamos aonde?`, e ele sorri dizendo que a estação de trem fica dois andares acima, subindo a escada. 
Confesso que, na Índia, poucas vezes senti aquela sensação de impotência típica dos momentos de um golpe. Esta foi uma.





Pago a corrida, subo as escadas ainda ressabiado e descubro que, realmente, a estação está ali. 
A menor estação de trem da minha vida.




Depois de aguardar por uma hora, contando com a meia hora de atraso, o trem chega e subo no vagão dormitório S5, onde entro e tenho a desagradável tarefa de desalojar um simpático indiano que dorme em minha cama e que já esperava a hora de ter de ceder o lugar emprestado.
Comigo sobe também, no mesmo vagão, um casal de australianos que ocupa as duas camas abaixo da minha. 
Fico completamente desconcertado, pois ambos sequer se dignam a olhar em meus olhos, fato que se sucedera por todo dia seguinte quando, finalmente, eles descem do trem sem dizer bye bye.
Como veem, meus queridos Viajantes Passageiros, o dom e a magia do encontro não são desfrutados por todos os viajantes deste planeta.
Confesso que senti compaixão.

Logo às 7 horas da manhã, pulo da cama e começo uma deliciosa jornada de encontros com novos e deliciosos amigos da estrada passageiros do trem.
Em particular, faço amizade com um morador de Mumbai, um cara maravilhoso e de rara inteligência, que se prontifica a acabar com a péssima imagem que guardo da caótica e terrível Mumbai quando ali retornar, esta que foi a primeira cidade em que coloquei meus pés nesta amada terra, há 7 anos. 




Percorro praticamente toda a viagem, das 7 às 15 horas, sentado na porta do trem, curtindo a paisagem e o vento na cara bem ao estilo que toda criança ama.





Pelo caminho, percebo o clima tropical esquentando na medida em que o trem invade o sul do país e penetra, cada vez mais, a zona tropical.
Assim como o clima, a paisagem também se altera e a Índia nortista, de propriedades rurais de infindáveis campos verdes de arroz, dá lugar a uma Índia de propriedades rurais imersas em porções de mata tropical salpicadas de coqueiros.
No chão da mata surgem terras alagadas cobertas por flores de lótus.




Viajar de trem pela Índia é, sem dúvida, a mais vibrante experiência que se pode ter na Velha Terra.
É o local em que é possível o contato cara a cara com sua gente, o mais precioso bem deste lugar.




































ÉÉÉÉÉ.... Pode saber que os presentes não param de chegar !!!

Depois de 16 horas, desço satisfeito do trem por ter consciência de que o sonho de estar no Kerala acaba de se realizar. Chego à cidade de Alleppey.
Pego um rickchai e rumo para uma comunidade nativa encrostada em uma das dezenas de ilhas da famosa backwater do Kerala. (dê uma olhada nesta região no Google Imagem).
O Kerala disputa com estado da Cachemira o título de Veneza do Oriente.











O rickchai anda por 20 minutos passando por pontes suspensas sobre canais e rios margeados por densa faixa de coqueirais e, então, sai da estrada asfaltada e atravessa uma matinha para, assim, me deixar na beira de um rio.














Subo em uma pequena canoa e chego na outra margem para logo encontrar meu destino, a Pousada Green Palm.








 Esta que a primeira vista aparenta ser sofisticada, frustrando inicialmente as imagens que construí em minha mente lendo as indicações do guia, o qual fala em bangalôs rústicos e localização em uma comunidade nativa.





Entro e sou recebido por Felipe, um simpático nativo que me apresenta salgados preços e percebe toda a desilusão que se estampa em minha cara.
Ao dizer que estava indo embora, ele se adianta e decide me mostrar um quarto meio esquecido em um canto da pousada por um valor que começa a se encaixar em meu orçamento.
Diz que quem realmente poderá fazer um bom desconto é Thomas, o dono da pousada, e sugere que eu vá dar uma volta pela comunidade até que o boss retorne.
Aceito e saio andando por uma pequena trilha paralela ao rio, agora percebendo que tinha definitivamente aportado no paraíso.












































Ando por volta de 5 minutos e chego de frente a uma igreja católica e, por cima do baixo muro, avisto uma pequena multidão aglomerada, ao ar livre, ao lado de túmulos tipicamente cristãos. 



O grupo parece acompanhar uma espécie de liturgia e percebo isso porque todos repetem em uníssono a palavra eimim ao final das palavras do orador.
Entendo prontamente que todos estão dizendo amém.
Percebo que, como Goa, o Kerala é também um estado de população cristã.
Entro pelo portão e vejo, sob um pequeno puxado na parte mais alta do pátio, um caixão aberto e um corpo sendo velado.




Claro que a partir deste momento, os olhares que antes eram exclusivos do defunto agora se dirigiram para mim.
Em menos tempo que eu podia imaginar, toda a comunidade de Chennamkary acaba de me conhecer.











Esta é a primeira parte deste maravilhoso capítulo pelo tropical e deslumbrante Kerala.
Saiba que tem muuuuito mais....





NANNIH !!! (Obrigado em malayalam)




Beijo nos corações!

SORTE!!!


AMiLTON SANANDhA


P.S. Se você esta se perguntando por que é que as pessoas estão morrendo pelos locais onde passo, saiba que não tenho absolutamente nada a ver com isso...  SMACK!!!!!



Boletim 3 - Kerala (Alleppey, Neyyardam, Amritapur, Kochi) 28/12/2013


Queridos pustas amigos!

Quantas imagens, quantas bênçãos estavam reservadas para esta jornada.

Em nosso último encontro, chego em Alleppey, mais especificamente na ilha de Chennamkary, numa comunidade de ilhéus em uma das inúmeras ilhas do inenarrável backwater do Kerala.
Depois de dar uma volta pela comunidade, presenciar um funeral e me deparar com uma beleza natural estonteante, e gente pra lá de sorridente e simpática, volto e recebo a notícia que Thomas, o dono da pousada, me concede ótimo desconto no preço da hospedagem, e por ali encosto o meu burro.













Este desconto vem graças ao pedido pessoal de sua mãe, que de cara gosta de mim e passa a me tratar como filho.
Aliás, seu nome é Ana e ela é a incrível cozinheira que prepara diariamente deliciosos cafés da manhã e jantares, com muito condimento e também muito coco, bem ao estilo da culinária do Kerala. 





Aliás, a deliciosa comida do sul fica ainda mais especial pelo fato de comermos com as mãos.
Esta pousada busca um ambiente familiar e os hospedes fazem as refeições todos juntos.

Bem, e é neste lugar paradisíaco que passo uma semana em contato direto com as pessoas da comunidade em uma experiência que nunca havia tido na Índia, pois posso vivenciar o dia a dia das pessoas com grande intimidade.
As pessoas dali lembram os polinésios, pois são risonhos e os homens do Kerala usam saia, conhecido como lung.








Claro que já no primeiro dia estreei minha saia, com a qual faço o maior sucesso, pois adoram ver alguém de fora se aproximando de sua cultura.








Durante o dia ando pelo interior da ilha por entre os igarapés e pelas plantações de arroz, e presencio um ambiente que mescla algo de Amazônia, Polinésia e Bahia, toda essa mistura aconchegada por um clima tropical que beira os 30°C de temperatura.
É coisa de louco...



























Em um dos dias, sou convidado por uma garota da comunidade a conhecer sua escola e ali encontro uma diretora devota de Sai Baba, que fica extremamente feliz ao saber que sou voluntário de uma escola que desenvolve a filosofia do avatar indiano em Ribeirão Preto.
Ela permite que eu visite a escola em um dia de avaliação final dos alunos e a minha presença causa uma verdadeira comoção entre os alunos.
Por onde ando sou seguido por uma multidão de risonhos adolescentes que querem a todo custo fazer perguntas e tirar fotos comigo.
Dia de alegria adolescente.


























Também gasto algum tempo de meus dias andando de barco ônibus por entre os milhares de canais e igarapés da região.
Simplesmente subo em um destes coletivos e vou até o ponto final, retornando em seguida, para curtir as inúmeras paisagens humanas de gente lavando roupa na beira do rio, pescadores tirando seu sustento das águas e passageiros indo e vindo das diversas ilhas fluviais.





















Kerala é um estado muito especial e com características muito próprias.
Aqui aconteceu em 1957 a primeira e única experiência mundial de um governo comunista democrático.
Esse governo desenvolveu incrivelmente o estado ao investir pesado em infraestrutura e educação, e hoje goza de números que fazem inveja aos outros estados indianos e a muitos países ao exibir uma taxa de mortalidade infantil 70% inferior à média indiana e uma taxa de analfabetismo inferior a 10% da população.
Também por aqui, como em Goa, penso que por causa do turismo, bebidas são comercializadas livremente em lojas e em bares e restaurantes, coisa que não se vê em outros estados.
Outra curiosidade, um verdadeiro mito que cai, é o fato das pessoas comerem carne de búfalo, um dos ingredientes da culinária do Kerala.




Depois de alguns dias, Thomas, o proprietário da pousada, se aproxima de mim numa noite e me convida para uma roda de cantoria, à beira do rio, com seus amigos sob enorme lua cheia.
É emocionante ouvir um indiano cantar, pois ele o faz com imensa paixão cantando com a alma canções quase sempre românticas e com alusões aos encantos da vida e da espiritualidade.
Em um determinado momento, Thomas pede para que eu cante uma música brasileira, e solto na roda um melodioso Trem das onze.
Para eles parece ser uma canção romântica, e então me pedem para finalizar a cantoria com algum samba bem alegre, e aí mando um carnavalesco Mamãe eu quero, ao que eles gostam muito, sendo que um deles identifica com uma música ouvida em Goa, outro estado de influência portuguesa.
Aliás, Vasco da Gama morreu no Kerala.
Noite mágica embalada por músicas do mundo!

Depois de uma deliciosa semana vivenciando o cotidiano de uma população ribeirinha de coração alegre e alma imersa na natureza, me despeço com a emoção de quem se despede da própria família.
Ter ficado aqui foi certamente uma experiência muito mais viva do que a maioria dos turista tem ao se hospedar nos famosos houseboat, verdadeiros hotéis flutuantes com poderosos ar condicionados, luxuosas suítes e diárias médias de US$ 100 que transitam pelos canais dos backwater com seus passageiros sem permitir a eles o contato vivo com a população ribeirinha.








Saio com a alma cheia de lembranças, imagens lindas e, principalmente, com imensa admiração por Thomas, com quem aprendo a arte da gentileza e da fala mansa.
Nossa despedida é lotada de emoção e, na verdade, percebo que me despeço de um irmão de alma, meu Mestre do Kerala.








Atravesso o rio e pego o rumo da estrada para a estação de ônibus de Alleppey para, então, seguir em direção à minha próxima parada, o Ashram de Shivananda, um grande guru indiano responsável pela criação de uma técnica de yoga que ajudou a popularizar a yoga no ocidente.





A decisão de ir para lá também é uma daquelas situações que parecem só serem capazes de acontecer na mama Índia. Vou contar.
Ainda em Ribeirão Preto, a uma semana de vir para cá, no último encontro de yoga ocorrido no Encantado, realizado pelos discípulos do mestre yogui indiano Shivananda, menciono a alguns amigos que pretendia ir ao Kerala e, então, um dos participantes da oficina diz que seu filho morou um ano no Kerala no Ashram de Shivananda e, prontamente, me passa as dicas de como chegar lá.




Agora, quando estou me preparando para partir da ilha, decido ir visitar o Ashram da Amma, uma rara guru indiana conhecida por abençoar seus milhares de devotos e visitantes com um abraço.
Na hora da partida, ao mencionar ao gerente da pousada minha intenção, ele sugere que, ao invés da Amma, que eu vá ao Ashram de Shivananda, isso sem saber nada sobre a informação que eu trago do Brasil em minha mente.
Recebo, então, esta segunda chamada como um sinal auspicioso do Universo, mudo meus planos e vou ao encontro de Shivananda sem resistir.

Depois de 5 horas de viagem, e de passar por Thiruvananthapurama charmosa capital do Kerala, chego a Neyyardam, uma pequena cidade situada no alto de uma montanha coberta por uma espessa mata comparável à nossa densa mata atlântica, em um cenário mágico.




Ali me hospedo e sou informado da intensa rotina diária a que serei submetido, com começo das atividades às 6 horas da manhã para um satsang (cantos devocionais), duas práticas diárias de yoga, com duas horas cada, palestras e alimentação ayurvédica.
UAU! Para quem praticou apenas um ano de yoga na vida soa como um grande desafio.




Sou hospedado em um alojamento com mais ou menos 100 rapazes, gente do mundo inteiro, e no decorrer dos dias me delicio com a inédita experiência de conviver com gente da Rússia, Espanha, Israel, Quênia, Alemanha, Franca, Inglaterra, Equador, Suécia, Itália, além de muitos indianos.






 











O melhor de tudo é que todos se mostraram pessoas deliciosamente amáveis e a convivência é a melhor que poderia pedir.











Também encontro dois brasileiros, Aline, de Campinas (mas que mora na França há 6 anos) e Eduardo, de Floripa, e com eles formo uma relação quase familiar.






Depois de 2 dias na turma de iniciantes de yoga, com o incentivo do Edu, passo a fazer a prática com a turma mais avançada e consigo desenvolver movimentos e acompanhar o ritmo de forma surpreendente.
Os dias passam de forma mágica e me surpreendo com o yogui que há dentro de mim e que nunca antes se pronunciara.








Também faço amizade com Evgenia, uma russa de St. Petesburgo, que se torna minha melhor amiga no ashram, e é dela que no momento de ir embora recebo um delicioso, apertado e fraternal abraço que mostra que a Vida me presenteou com mais uma querida irmã (e olha que a Vida já me presenteou com muitas...).







O ashram também tem a função de divulgador cultural , assim, promove muitas palestras e apresentações artísticas da região.
Tive o grande privilégio de assistir a uma apresentação de teatro Katakali, uma modalidade artística típica do Kerala que envolve teatro, dança, canto e música instrumental.
Um presente maravilhoso.































Também assisti uma palestra sobre Bhakti yoga, a yoga voltada para a devoção.
Ao final, a maravilhosa palestrante cantou um canto devocional de sua autoria e, aí, pudemos perceber o seu alto nível de sua entrega.




Vale mencionar que tive o prazer de celebrar o Natal no ashram com direito a comemoração à meia noite, coral natalino, chegada do Papai Noel e presentinho das mãos do bom velhinho, tudo com cara bem indiana, tipo meio brega, colorido por fogos de artifício.

Uma deliciosa surpresa!



























Ceia ayurvédica de Natal




Depois de uma semana na companhia de Shivananda, Aline, Edu e eu rachamos um rickchai e partimos para Thiruvananthapuram, eles com planos de ir para os Ashram da Amma e eu com ideia de ir para Kochi, onde 3 dias mais tarde pego meu avião com destino a Délhi para encerrar esta jornada.
Depois de uma semana na companhia de Shivananda, Aline, Edu e eu rachamos um rickchai e partimos para Thiruvananthapuram, eles com planos de ir para os Ashram da Amma e eu com ideia de ir para Kochi, onde 3 dias mais tarde pego meu avião com destino a Délhi para encerrar esta jornada.


Mais uma vez a Índia se impõe e, depois de um convite super amoroso da Aline, na estação de trem mudo meus planos na última hora e sigo com eles para buscar o aconchegante abraço da guru-Mãe.







Depois de 3 horas de viagem chegamos a Amritapur, onde nos hospedamos entre as duas mil pessoas que habitam ou transitam pelo Ashram da Amma.
























Logo na chegada recebemos uma senha e já de noite entramos em uma imensa fila rumo ao abraço celestial da Iluminada Amma, e após pouco menos de uma hora, lá estava eu aconchegado pelos braços da amada Mãe.







Descrever em palavras seu abraço, seu olhar e seu carinho maternal é meramente impossível.
O que posso dizer é que sua imensa compaixão agora faz parte de meu ser.













Obrigado Universo, por mais este presente!







No dia seguinte, meus queridos irmãos de jornada atravessam comigo a ponte que separa o ashram da cidade, onde peguei um rickshai e ali nos despedimos, alegre e emocionadamente, desejando que futuramente nossas estradas voltem a se cruzar, e eu parto para Kochi, de onde vos falo.





Amanhã pego o avião para Délhi de onde pego um ônibus para Pushkar, onde passo o Ano Novo na sagrada terra do Senhor Brahma, o deus hindu responsável pela criação de tudo que É, visível e invisível.
Novo privilégio me espera.

A todos desejo um Ano Novo repleto de realizações, vibrando para que o caminho da abertura de seu coração, em direção ao Outro, não encontre obstáculos.

Que o Amor seja a seta condutora do caminho de cada um.

Fecho esse boletim com uma frase que li estampada em um quadro na parede do quarto em que dormi na ilha de Chennamkari:

" I WANT WHAT I WANT WHEN I WANT IT"
A tradução desta frase seria meramente "Eu quero o que eu quero quando eu quero" se não fosse o detalhe deste IT no final, que nos lembra de que o sonho de cada um, antes de tudo, depende de uma DECISÃO, de uma INTENÇÃO.

Decida, e seus sonhos serão mera decorrência de sua decisão.


FELIZ ANO NOVO!





Beijo nos corações

SORTE!!!


AMiLTON SANANDhA



Boletim 4 - Kochi (Kerala), Pushkar (Rajastão) e Délhi - 02/2/1/2014


Queridos Pustas Amigos!

O trem parte no ano passado e chega com auspícios no Novo Ano.
Saudações de ano de realizações a todos!

Nos despedimos em Amritapur, nos braços da Amma, e de lá pego 3 horas de trem e desço em Kochi, local onde parte o avião que me leva a Délhi.
Desde sempre nesta viagem, estudando o guia Lonely Planet, a bíblia dos mochileiros, me sinto chamado para visitar esta cidade.
Pretendia estar ali por 3 dias, mas o chamado da Amma foi muito mais forte e me sobraram apenas um dia e duas noites para desfrutar o último recanto a ser visitado no Kerala.
O chamado, em verdade, é muito mais ao historiador, pois em Kochi sobra história pelo seu antigo porto e por todos os seus cantos, afinal por ali, ao longo dos séculos, passaram colonizadores chineses, portugueses, ingleses, franceses, judeus e holandeses.
A cidade é uma espécie de Ouro Preto com casas formando uma coleção de estilos arquitetônicos composta pelas culturas mencionadas, e passear por suas ruas é algo extremamente extasiante .















Casarões em estilo colonial português encontro aos montes e logo faço uma visita ao museu indoportuguês, onde sou festejado por José, o responsável pelo acervo do museu, que me confidencia com enorme empolgação seu sonho de visitar o Brasil.


























Antes, visito a Igreja de São Francisco, inaugurada em nada menos que 1508, que leva a marca de ser a igreja católica mais antiga da Ásia.










Meu maior objetivo em Kochi é visitar uma sinagoga de 400 anos, eu que, aliás, nunca entrei em uma, mas aí pinta uma pequena frustração ao encontrá-la de portas fechadas por se tratar do sabath, dia de resguardo para todos os judeus do planeta.
Talvez este seja um ótimo motivo para um dia retornar a este tão charmoso recanto.
A breve frustração logo é esquecida quando saio perambulando pelas apertadas ruas do bairro judeu por entre seus prédios de 800 anos. Quanta historia impregnada em suas paredes e nos portões maciços de suas casas seculares.
























Kochi é cidade portuária, local da chegada de tantos povos, e é por ali que presencio uma exibição de um milenar artefato chinês de pescaria, uma verdadeira engenhoca.



























E por estar à beira mar, dou uma chega à praia e lá não me nego mais um banho nas mornas águas do Mar da Arábia após sorridente convite de um novo amiguinho indiano no auge de seus 12 anos de idade.
Ambos nos atiramos na água como crianças que somos, coisa que indiano adulto não tem muito o habito de fazer.  Eu, claro, criança há mais tempo que ele. hehehe.







Ainda daa tempo para visitar a catedral da cidade, onde tenho a oportunidade de assistir a um casamento no mais autêntico estilo católico apostólico romano.
Essa é a Índia das mil faces,








Nas duas noites que passo nesta charmosa cidade ando desavisado por suas ruas, curtindo cada linha de sua arquitetura universal, até cansar e terminar em uma movimentada rua lotada de restaurantes, onde aprecio delicioso peixe assado.
No final da última noite, sou convidado pelo funcionário indiano da pousada a apreciar, do alto do terraço, a bela vista da cidade em uma acalorada noite deste tropical estado, ao sabor de ótima conversa e outras cositas mais. hehehe
É o brinde final para aguardar as horas passarem e ser acordado às 4h da madrugada para, a bordo de uma scooter, ir para o aeroporto que fica a mais de uma hora de distância.
De motinha na madruga.
Essa eu ainda não tinha provado...

DELÍCIA JUVENIL!!!

Ali pego o avião para, duas horas mais tarde, voltar à cidade que mais tenho intimidade na Índia, a boa e caótica Délhi, e seus 15°C de média de temperatura nesta época do ano.
Isso mesmo, direto do tropical sul, onde passo quase 3 semanas de saia e sandália havaiana, à média de 35ºC, para um frio que beira a mínima de 5ºC de madrugada.
E o frio de Délhi tem um molho do Himalaia, seco e cortante, coisa séria principalmente para a multidão que dorme em suas ruas.
Logo que chego, vou direto para Pahar Ganj, minha casa na capital Federal, e ali procuro uma agência de turismo para saber das possibilidades de ir para Pushkar.
Depois de breve negociação, e de observar as tentativas de seus funcionários de me ludibriar, provo rápida sensação de perda de tempo, e de fim de sonho, e chego até acreditar que meu objetivo de curtir o Novo Ano em Pushkar seria frustrado, mas, ao colocar os pés na rua, sou salvo por um rickchai-anjo que me leva ao endereço correto, diferente do fornecido pela turma da agência de turismo, e ali compro minha passagem de ida e volta para a única terra sagrada na Índia devotada a Brahma.
Mais uma vez o Universo testa minha fibra e logo na sequência manda a providência.
Essa é a Índia, testadora de limites.
Tudibão....

Durmo a noite no hotel Relax e acordo para nova jornada de 9 horas rumo a Pushkar.
O detalhe é que a distância entre as duas cidades é de 400 km, mas viagem de ônibus por aqui nunca ultrapassa os 50km/h.
A boa nova vem com o fato de Pushkar estar no conhecido Triangulo do Rajastão ou Triangulo do Sol, composto por Agra, onde fica o fascinante Taj Mahal, Udaipur e Jaipur, as cidades mais visitadas da Índia.
Por ser o estado mais turístico da Índia, os ônibus no Rajastão são de nível internacional, ônibus pra levar europeu e, assim, a viagem é longa, mas confortável.
Subo no ônibus às 8 da manhã e desço às 5 da tarde e, ao chegar, por entre paisagens áridas e desérticas, muito diferente do sul tropical que visitei, me defronto com uma cidade de incrível força, hipnotizante, com suas ruas apertadas e milenares para, depois de 15 minutos de caminhada, me encontrar com seu lago sagrado, destino de milhões de peregrinos hindus que vem, durante todo o ano, para se banhar em suas águas sagradas.





Quase intuitivamente, e lembrando das dicas de um australiano que, sem nenhuma explicação, foi colocado para se sentar em minha mesa em um restaurante em Kochi, ando pela beira do lago até o lado oposto, onde mais tarde fico sabendo se localizar o Templo de Brahma, ponto mais sagrado da cidade, 




e me instalo na melhor pousada de toda viagem.




No dia seguinte, dia 31 de dezembro, pulo da cama às 6 da manhã e me sento à beira do lago para presenciar, com toda emoção, os banhos sagrados de centenas de peregrinos no momento mais auspicioso do dia, horário em que o sol nasce e doura as águas do mágico lago artificial.
O cenário que rodeia o lago é estonteante, com prédios seculares e milenares.





Pura magia!










Logo um brâmane se aproxima e oferece um pooja (benção) e, tão abençoado que me sinto, dispenso a oferta, mas ele ainda assim insiste em colocar em minhas mãos pétalas da mais cheirosa rosa do mundo para que eu lance ao lago, além de amarrar em meu pulso um cordão que diz ser o passaporte de Pushkar.
Benção atrás de benção, minha pele se arrepia e os olhos mareiam de perceber que estou em uma das mais sagradas cidades da Índia para celebrar as conquistas do ano tão incrível que foi 2013 e de braços abertos para aceitar os presentes, doces e amargos, que vêm com os renovados ares de 2014.

OBRIGADO! OBRIGADO! OBRIGADO!!!





Depois de deixar as imediações do lago, divido a rotina do último dia do ano entre a contemplação do milenar cenário da cidade e, entre um chai e outro, a vivência das delícias dos negócios que faço em inúmeras lojinhas da cidade, eu que sou também mercador nas Índias, prazer enorme que tenho de fazer comércio com os povos que inventaram esta prática.
Levo na bagagem pra casa maravilhas de roupas e tecidos que geram o lucro necessário para a realização destes 
sonhos infinitos.



A noite cai e me abrigo em um aconchegante restaurante tibetano para, entre mantras e bandeiras de oração, saborear um delicioso thentuk, espécie de sopão vegetariano com pedaços de macarrão de arroz, um dos pratos mais tradicionais do Tibet, Nepal e países do Himalaia, fechando a refeição com uma maravilhosa panqueca de banana com Nutella, em um autêntico cardápio de ceia de passagem de ano a que me proporciono.




Aí, saio nostalgicamente andando pelas ancestrais ruas à espera da meia-noite, por entre pensamentos que me remetem a balanços de realizações, do ano que termina, e planos e sonhos, para o ano que entra.
Quando soam as 12 badaladas anunciando o Novo Ano, subo ao terraço da minha pousada e presencio tímida e vibrante queima de fogos e, então, diante desse espetáculo, meu Ser se enche de uma enorme alegria, um êxtase, que transborda diante da percepção de todo o privilegio de ser este Ser humano saudável e de consciência viva de ser o próprio milagre Divino em forma humana.

COMO É BOM SER SER HUMANO!!!!

Neste momento que vos escrevo, faço minhas as palavras do amado Joseph Campbell, filósofo e mestre, dos primeiros a me fazer perceber a centelha viva que Sou, quando li uma de suas frases:
'MAIS IMPORTANTE DO QUE VIVER É VIVENCIAR A EXPERIÊNCIA DE ESTAR VIVO.'





Sim, Campbell, você me ensinou que gente vivendo há aos montes.
Sim, Campbell, você me ensinou que gente vivenciando a experiência de estar Vivo, poucos são.

Eternamente agradecido sou aos meus antepassados e Mestres que me possibilitaram a consciência de saber que SOU O EU SOU.



Espero neste átimo de vida, neste planeta, ajudar o maior número possível de irmãos a perceber que todos somos viajantes passageiros neste planeta, e que a viagem vai muito mais longe, e o bilhete para a próxima etapa se adquire nesta estação chamada planeta Terra.
Em verdade, o maior número de pessoas será suficiente se for apenas mais um.

Agora estou em Délhi, depois de 18 horas de ida e volta a Pushkar, onde tive o privilégio de ser convidado de Brahma em sua casa.
Dentro de 6 horas pego o avião de volta para casa com a alma lotada, o coração vibrando, as lembranças fervilhando, inúmeras amizades da estrada conquistas e com a alegria que só o guerreiro sabe ao retornar para a casa.



Agradeço imensamente a presença de todos vocês, viajantes passageiros, certo de que só há real motivo de estar aqui por ter este contato com cada um de vocês, o meu Outro eu, experiência intensiva que acontece também com a nossa Vida, onde todos somos viajantes passageiros.
Desta viagem maior só levamos os tesouros do Encontro, momentos que gentilmente recebemos, e tanto podemos contribuir com a jornada alheia.
O resto, como bem sabem os nossos avós indianos, é brincadeira de Maya, a deusa fazedora de escravos.


Ano que vem tem mais...






Como veem, o sonho já começou...

Beijo no coração

CHOKUREI!
DANEVAT!
NANIH!
NAMASTE!
AGRADECIDO... MUITO AGRADECIDO!!!!


SORTE NA JORNADA!!!


AMiLTON SANADhA